A Saga do Inverno - Prólogo


Quando este inverno começou ninguém se importou. Pelo menos, não mais do que as pessoas sensatas se importam com o começo de qualquer inverno. Este inverno, entretanto, foi diferente de todos os demais e nunca houve registro de um evento assim em Eroth.

O inverno da morte. É assim que muitos o chamam. Ele chegou há quase cem anos e nunca mais nos abandonou. Eu vi Reis e nobres congelaram até os ossos dentro de seus poderosos e ricos castelos. Eu vi ouro se tornar gelo, assim como as pedras das muralhas. Tudo ruiu, tamanho o frio e longevidade do inverno. Cidades inteiras desapareceram e os corpos congelados não precisam de túmulos ou rituais de cremação. Até hoje, suas faces estão conservadas da maneira que eram quando morreram, imunes ao tempo e à deterioração.

Eu nasci e cresci neste inverno, assim como todas as outras pessoas que conheço.

Meu avô contava histórias sobre os dias de verão, de primavera e de outono. Dias de árvores verdes, calor e abundância. Para ele, aqueles dias eram lembranças, mas para a maioria de nós, são apenas histórias. Ele era o último de nosso grupo que ainda se lembrava do mundo antes do inverno da morte e eu ainda era uma criança quando ele morreu, levando consigo suas lendas.

Minha mãe até chegou a contar algumas destas histórias para as crianças durante algum tempo, mas logo notou que não fazia mais sentido incitar esperanças que ela mesma não tinha nos corações dos pequenos. Eu cresci ouvindo histórias sobre dias melhores mas, depois de tantos anos, os dias ainda se tornam cada vez piores e nosso grupo continua diminuindo.

Praticamente toda a civilização do continente de Eroth já foi destruída. O motivo que fez último inverno durar tanto tempo é desconhecido por nós. Meu pai dizia que há uma grande cidade em ruínas, ao sul do rio congelado. Ele dizia que os anões costumavam criar cogumelos em cavernas subterrâneas por lá e essa era nossa melhor esperança de conseguir um local seguro para vivermos.

Já fazem muitos dias que não conseguimos caçar nenhum urso ou pescar nenhum peixe. Muitos estão sucumbindo à fome e às doenças provocadas pela inanição. Cabe a mim decidir se é hora de abandonarmos as ruínas da fortaleza e seguirmos em uma perigosa e mortal viagem rumo às desconhecidas ruínas de Ezel. Meu filho nascerá dentro de poucas semanas e viajar agora é um risco enorme para minha mulher. Se não houverem cavernas, certamente morreremos.

Esta é a decisão mais difícil que já tomei na vida.

 - Arkan Ferropunho -

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